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Montessori – Adaptação na Creche – Como agir?

A criança sempre esteve em casa cercada e segura por seus familiares. Eis que tudo muda – é hora de ir para a creche. E agora  o que acontece?

Muitas perguntas, dúvidas pairam no ar: Como deve acontecer este processo de transição? Simplesmente entregá-lo a desconhecida educadora? E se ela chorar muito? Logo passa? Pouco vai perceber?

Preciso estar perto até se acostumar com a nova educadora? Como faço com meu trabalho?

“…As mães é que sentem, as crianças pouco ligam” -será isso verdade?

Na realidade este período de adaptação em um novo ambiente, longe dos pais, é importantíssimo para a criança podendo transmitir trauma e insegurança profunda que podem acompanhá-lo por muito tempo ou uma fase que pode transmitir-lhes segurança, autoconfiança e força interna para altos saltos no seu desenvolvimento emocional e físico.

Como se dá este processo de modo que pais e a criança sintam-se bem  acolhidos nesta nova fase?

Erik Erikerikson (1902-1994), grande cientista na área de psicologia, estruturou  o desenvolvimento infantil em fases.

A primeira fase – 1. ano de vida – chamou de confiança x desconfiança:

“Eu sou o que recebo”nesta fase, o adulto apresenta o mundo à criança. A criança requer suas necessidades primordiais atendidas – contato físico, carinho, forte ligação a um adulto (geralmente a mãe), alimentação, bem estar físico. Se assim se concretiza, a criança vê o mundo como bom, enche-se confiança nos que a rodeiam: eles estão aqui quando precisar de ajuda. Mune-se de autoconfiança: eu posso influenciar o mundo : quando algo não está bem eu tenho o poder de fazer algo para melhorar.

Se essas necessidades básicas não são atendidas, desenvolve-se na criança sentimentos como medo grande, falta de segurança e a sensação de que ela é incapaz de melhorar seu mundo. Estrutura-se sentimentos de vazio interior, depressão, desconfiança e sentimento de dependência.

Por este conhecimento da psicologia humana é que não se deve deixar um bebê a chorar sem atendê-lo. Nessa fase de desenvolvimento da confiança ou desconfiança sobre o mundo, deixá-lo pedir ajuda sem atende-lo resulta em: “eu não tenho minhas necessidades atendidas quando peço ajuda – a minha pessoa de ligação não é inteiramente confiável. O mundo não é confiável e eu não tenho o poder de mudar o mundo com meus atos – por mais que eu peça, ninguém me ajuda”.

Está aqui estabelecida uma imagem negativa do mundo e de si mesmo que pode trazer como cicatrizes mais tarde: sentimentos de vazio interior, depressão, desconfiança e sentimento de dependência.

A segunda fase – do 1. ao 3. ano de vida – chamou de Autonomia x Vergonha e Dúvidas

“Eu sou o que eu quero” – essa fase é decisiva para a relação entre amor e ódio, adaptação e rebeldia, liberdade de expressão e opressão. nessa fase desenvolve-se as raízes da autonomia na criança. Ela busca explorar seu meio, testar a funcionalidade das coisas, diferenciar emoções. Se ela consegue fazê-lo com o apoio das suas pessoas de confiança, a criança confia no meio e em si mesma, está forte para passar para sua nova etapa de vida.

Caso isso não aconteça, caso a criança seja retida de livre exploração do seu meio, seja constantemente criticada por exemplo: quando mexe em um objeto , quando tenta comer com as próprias mãos, quando mexe na terra, a criança ganha um sentimento de vergonha – “o que eu tento não é certo, não é aceitável, explorar o mundo à minha maneira não é bom. Eu não sou aceitável!”  A criança torna-se insegura sobre a importância e certeza sobre suas necessidades e desejos.

Essa visão negativa pode trazer profundas cicatrizes psicológicas como complexos de inferioridade quanto amor, tempo e dinheiro, justiça e profundas incertezas com relação entre trabalho e recompensa (não adianta o meu esforço, eu acabo por não conseguir o que desejo), complexos de perfeição, sensação de nunca ser bom ou digno o suficiente.

Dado o conhecimento sobre psicologia infantil nos seus primeiros anos de vida, percebemos a importância do cuidado com fases de mudança. A transição da casa para a creche é uma grande e importante fase de mudança na vida da criança. Educadores e pais devem ter todo o cuidado e atenção para apoiá-las, confortá-las e fazer dessa fase um ganho para seu desenvolvimento.

Seguindo este raciocínio, apresento á vocês à seguir, 2 modos científicos de adaptação à creche aplicados na prática.

Na Alemanha, país com excelência neste tema, adere oficialmente a dois modelos basicamente: o Modelo de adaptação de Munique de Beller e Stahnke de 1988 e o Modelo de Adaptação de Berlim de Löewe e Andres de 1978.

Ambos os modelos foram desenvolvidos à partir de longos estudos nas universidades das cidades correspondentes.

Modelo de Berlim

O modelo de Berlim, o mais antigo, integra as principais seguintes características:

  • Adaptação à creche sem traumas ou sofrimento
  • A criança é competente
  • Uma posição positiva à respeito dos cuidados através de uma 3. pessoa (creche/educadora)
  • Observação individual de cada criança e através desta, ofertas de possibilidades pedagógicas individualizadas
  • Trabalho conjunto e intenso com os pais

Uma adaptação tranquila é a chave para um desenvolvimento sadio da criança na creche.

A creche é um lugar estranho para a criança. Por isso ela precisa de uma pessoa de confiança para explorar este novo meio. Já que a mãe/ o pai, a sua pessoa de maior confiança,  não poderá estar o tempo todo neste meio, a criança deverá construir uma relação de confiança com a educadora ainda sob os olhos da mãe/do pai.

Crianças tem medo de situações estranhas. Elas procuram uma pessoa de confiança que as protejam. Se esta pessoa está presente para tranquilizá-las, elas se sentem seguras para continuar a explorar o seu meio. Caso esta pessoa de sua confiança não esteja presente, elas podem viver situações desagradáveis que venham a traumatizá-las.

Assim que uma relação de confiança com a educadora estiver estabelecida, a mãe/ o pai poderá se afastar, sem que a criança sofra. A criança passa a explorar seu meio com a ajuda da educadora.

A fase de adaptação dura pelo menos 4 semanas:

Na primeira semana, a mãe está presente com a criança transmitindo-lhe apenas segurança. A aproximação da criança com a educadora deve ocorrer de forma natural. A educadora adota uma postura passiva e espera que a criança venha lhe conhecer.

Na segunda semana a mãe esclarece à criança de forma clara e concisa que necessita sair por uns minutos. Desta forma se dá a primeira separação mãe/pai e criança. Nesta fase a empatia da educadora é grande tanto para com a criança como para com a mãe, dado o fato que não só a criança pode sofrer com a separação da mãe, mas também a mãe pode sofrer por separar-se da criança.

Na terceira semana a mãe fica ainda mais tempo longe da criança. A mãe recebe todos os dias um feedback sobre bem estar da criança seja rapidamente à porta, por telefone ou através de conversas ao final do período, ao final do dia.

A mãe apresenta à criança à educadora nas principais horas como na hora da comida, na troca de fralda. A criança sente que a mãe aceita a educadora e a trata como uma pessoa a se confiar.

Na quarta semana a mãe separa-se da criança já na porta da sala. O tempo de permanência da criança na creche torna-se cada vez maior

O feedback aos pais é constante. A atenção e o cuidado com os sentimentos dos pais e das crianças também é constante.

O período de adaptação termina quando a criança consegue ficar todo o período na creche.

Modelo de Adaptação de Munique

As bases da Adaptação de Munique são as mesmas, o que se diferencia um pouco da Adaptação de Berlim, é a forma aplicada e a perspectiva.

Toda fase de transição é acompanhada por emoções fortes, as rotinas não são mais as mesmas e a criança tem que aprender várias coisas em um curto prazo de tempo.

A família e a criança precisam ser apoiadas para poder superar bem estes períodos de transição. Estes são superados melhormente quando a família tem a oportunidade de conhecer seu novo meio através de uma pessoa de confiança (educadora).

Na prática, este método consiste em que a criança conheça seu meio e todas suas atividades de rotina na presença da mãe e da educadora. Somente quando sentir-se realmente segura com o meio e com a rotina, a criança passa a separar-se da mãe e a ficar somente com a educadora.

A mãe/o pai permanece com a criança por várias horas na creche, vive todas as atividades de rotina com a criança na creche como comer, trocar fraldas, brincar e vai se separando da criança aos poucos. Separa-se da criança porém permanece na creche, caso a criança não sinta-se mais segura, chore muito e precise novamente da sua presença, ela está na instituição e pode voltar a consolar a criança a qualquer momento. Cada vez mais o tempo de separação da criança e da mãe aumenta, a medida que a criança se sente mais segura.

O final de adaptação deste período se dá quando a criança fica até o final do dia (das horas pelos pais estabelecidas) sem problemas e sem a presença da mãe.

Diferenças entre os dois métodos

Modelo de Berlim:

  • Segurança – exploração do meio – confiança
  • Primeira separação depois do 4. dia
  • Foco na construção da relação educadora – criança
  • Duração da adaptação orienta-se em cada criança pelo menos 6 dias
  • Nos primeiros dias educadora, criança e mãe encontram-se em uma sala separada
  • Aposta na pessoa de confiança
  • A duração da separação começa no 4. dia e aos poucos vai aumentando

Modelo de Munique

  • Exploração do meio – segurança – confiança
  • Primeira separação depois de 6 dias
  • Participação de todo o grupo da creche no processo de adaptação
  • Duração combinada com todos de no mínimo 6 dias
  • Adaptação se dá no grupo
  • Os pais acompanham a criança pelo menos 2 semanas inteiras por muitas horas
  • Situação conhecida
  • Os pais separam-se da criança somente quando o meio torna-se conhecido e confiável para a criança

O que há em comum entre os dois métodos

Ambos o métodos tem em comum o cuidado e o respeito para com a criança e os pais neste período de adaptação. Os dois modelos dão grande importância as principais situações como troca de fralda, comer e dormir assim como a presença da pessoa de confiança da criança.


Simone Clemens, Pedagoga Montessoriana Internacional/Alemanha, Especialista em Superdotação e Supersensibilidade/Alemanha

Fontes:

  • Artigo da Dr. Anna Winner ” Zwei Eingewöhnungsmodelle im Vergleich”
  • Studienmodell der psychosoziale Entwicklung nach Erik Erikson -Wikipedia
  • Hobmaier, Hermann (2003) – Psychologie
  • Beller.K E. (1998) : Die kleine Krippe
  • Laewen, H.J/Andes (1990): Ein Modell für die Gestaltung der Eingewöhnungssituation von Kindern in der Krippe